quinta-feira, 26 de abril de 2018

Agora o PRAGMATISMO é LEI!

LEI 13.655, de 25 de Abril de 2018.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o  O Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), passa a vigorar acrescido dos seguintes artigos:
“Art. 20.  Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.”

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

O PRAGMATISMO É UM HUMANISMO


Assumindo a opção evolucionista, no sentido que a razão não é um presente de uma divindade, que destacaria o homem da sua animalidade, mas uma complexidade adaptativa decorrente da necessidade de sobreviver à adversidade ambiental, o pragmatismo é humanista. Mas não se trata de render homenagens à notabilidade das capacidades humanas (culto à humanidade[1]), mas sim prestigiar a ideia de que “não há outro legislador senão o próprio homem”,[2] a quem compete definir os seus rumos no mundo, agindo sobre ele.



Aliás, FERDINAND SCHILLER concebia o pragmatismo como a aplicação do humanismo à teoria do conhecimento,[3] na medida em que

human interest, then, is vital to the existence of truth: to say that the truth has consequences and that what has none is meningless, means that it has a bearing upon some human interest. Its ‘consequences’ must be consequences to some one for some purpose.[4]

Dentro do projeto humanista, o pragmatismo conversa bem com o existencialismo, iniciado com SOREN KIERKEGAARD (1813-1855), mas densificado, dentre outros, por JEAN PAUL SARTRE (1905-1980).
De fato, o existencialismo ateu de SARTRE parte do princípio de que, no ser humano, a existência precede a essência, ou seja, “o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define”.[5] Não há, portanto, natureza humana, porque não há Deus ou qualquer entidade superior e anterior para concebê-la. Assim, “o homem não é mais que o que ele faz”; é, “antes de mais nada, um projeto que se vive subjetivamente”.[6] Diante disso, SARTRE afirma que “a vida não tem sentido a priori. Antes de viverdes, a vida não é nada; mas de vós depende dar-lhe um sentido, e o valor não é outra coisa senão esse sentido que escolherdes”.[7] Nesse sentido, WILLIAM JAMES, estabelecendo diferenças entre o racionalismo e o pragmatismo, é também existencialista ao afirmar que “o contraste essencial é que, para o racionalismo, a realidade já está pronta e completa desde toda a eternidade, enquanto para o pragmatismo está ainda sendo feita, e espera parte de seu aspecto do futuro”.[8] 

A vida sem sentido a priori, o “confronto desesperado entre a interrogação humana e o silêncio do mundo”,[9] traduzida pelo “desespero” de KIERKEGAARD,[10] pela “náusea” de SARTRE,[11] pelo “absurdo” de ALBERT CAMUS (1913-1960)[12] ou pela “angústia” de GRACILIANO RAMOS (1892-1953),[13] coaduna-se com a negação pragmatista das razões a priori,[14] com a realidade que “está ainda sendo feita”.


Da esq. p/ dir.: Kierkegaard, Nietzsche, Heidegger, Jasper, Chestov, Marcel, Sartre, Camus 
Mas ao contrário do que essas palavras possam sugerir, nem o existencialismo, nem o pragmatismo, são pessimistas ao aceitarem o abandono e o absurdo de uma vida sem sentido a priori, sem as ilusões de proteção ou de orientação sobrenaturais. O existencialismo pragmático é otimista, pois devolve ao homem a responsabilidade por sua própria vida e seu próprio destino, libertando-o do determinismo,[15] ao mesmo tempo em que lhe dá ferramentas para (re)construir o significado de sua existência.[16]

E tal qual o pragmatismo, o existencialismo também se revela como uma filosofia da ação,[17] na medida que compreende o homem, em essência, senão como seu projeto, que “só existe na medida em que se realiza”, não sendo, portanto, “nada mais do que o conjunto dos seus atos, nada mais do que a sua vida.”[18] ALBERT CAMUS, em um dos seus textos filosóficos anteriores à dissidência com SARTRE, realiza verdadeira proclamação pragmática, ao defender que

Se eu me pergunto por que julgo que tal questão é mais premente que tal outra, respondo que é pelas ações a que ela se compromete. Nunca vi ninguém morrer por causa do argumento ontológico. Galileu, que sustentava uma verdade científica importante, abjurou dela com a maior tranquilidade assim que viu sua vida em perigo. Em certo sentido, fez bem. Essa verdade não valia o risco da fogueira. É profundamente indiferente saber qual dos dois, a Terra ou o Sol, gira em torno do outro. Em suma, é uma futilidade.[19]

Talvez a diferença entre ambas as correntes do pensamento humanista seja apenas de amplitude, pois o pragmatismo não se pretende como explicitação do lugar do homem no mundo, como o existencialismo parece se apresentar. Não há exclusão entre elas, senão diferença de propósitos sobre as mesmas bases. Como salienta RICHARD RORTY, tanto o existencialismo de SARTRE, como o pragmatismo de JAMES, tentaram convencer os seres humanos que não deviam mais construir substitutos de Deus, complementando, assim, o projeto humanista iniciado com o Renascimento e o Iluminismo.[20]







[1] SARTRE, J. P. O existencialismo é um humanismo, p. 21.
[2] SARTRE, J. P. O existencialismo é um humanismo, p. 21.
[3] WAAL, C. de. Sobre pragmatismo, p.86.
[4] SCHILLER, F. C. S. Studies in humanism, p. 5. Tradução livre: “Interesse humano, então, é vital para a existência da verdade: dizer que a verdade tem consequências e que aquilo que não tem consequências não tem significado, significa que ela tem relevância para com algum interesse humano. As suas consequências devem ser para alguém por algum propósito.”
[5] SARTRE, J. P. O existencialismo é um humanismo, p. 6.
[6] SARTRE, J. P. O existencialismo é um humanismo, p. 6.
[7] SARTRE, J. P. O existencialismo é um humanismo, p. 21.
[8] JAMES, W. Pragmatismo, p. 138.
[9] CAMUS, A. O homem revoltado, p. 16.
[10] cf. KIERKEGAARD, S. O desespero humano.
[11] cf. SARTRE, J P. A náusea.
[12] “Um mundo que se pode explicar, mesmo com raciocínios errôneos, é um mundo familiar. Mas num universo repentinamente privado de ilusões e de luzes, pelo contrário, o homem se sente um estrangeiro. É um exílio sem solução, porque está privado das lembranças de uma pátria perdida ou da esperança de uma terra prometida. Esse divórcio entre o homem e sua vida, o ator e seu cenário é propriamente o sentimento do absurdo.” (CAMUS, A. O mito de Sísifo, p. 21).
[13] cf. RAMOS, G. Angústia.
[14] JAMES, W. Pragmatismo, p. 47. No mesmo sentido: “Não se fixando em premissas a priori verdadeiras, não se detendo em propostas ontológicas, não aceitando os dogmas absolutos, não se apoiando no pressuposto da dialética materialista, derrubando os fetiches metafísicos, desprezando as respostas universais, desconstituindo o estatuto conservador das políticas conservadoras, abalando as bases dos movimentos burgueses, o existencialismo, no entanto, possui um apego, que irá ser exatamente o apego pelo contingencial, pelo situacional. Não há nenhum idealismo além do que agora se pode ter, do que agora se pode identificar como justo ou certo. Nesse sentido, o futuro abre-se como um leque de possibilidades, e para o futuro as respostas são inimagináveis, pois na liberdade dos homens mora a responsabilidade de construí-lo.” (BITTAR, E. C. B.; ALMEIDA, G. A. de. Curso de filosofia do direito, p. 357-358).
[15] “Dostoiévski escreveu: ‘Se Deus não existisse, tudo seria permitido’. Aí se situa o ponto de partida do existencialismo. Com efeito, tudo é permitido se Deus não existe, fica o homem, por conseguinte, abandonado, já que não encontra em si, nem fora de si, uma possibilidade a que se apegue. Antes de mais nada, não há desculpas para ele. Se, com efeito, a existência precede a essência, não será nunca possível referir uma explicação a uma natureza humana dada e imutável; por outras palavras, não há determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade. Se, por outro lado, Deus não existe, não encontramos diante de nós valores ou imposições que nos legitimem o comportamento. Assim, não temos nem atrás de nós, nem diante de nós, no domínio luminoso dos valores, justificações ou desculpas. Estamos sós e sem desculpas. É o que traduzirei dizendo que o homem está condenado a ser livre.” (SARTRE, J. P. O existencialismo é um humanismo, p. 9).
[16] “Os deterministas, que negam o livre-arbítrio, que dizem que o homem individual não origina coisa alguma, mas meramente transmite ao futuro o empuxo total dos acontecimentos cósmicos passados, dos quais é uma expressão sumamente diminuta, reduzem o homem. (...). Pragmaticamente, livre-arbítrio significa novidades no mundo, o direito de esperar que em seus elementos mais profundos, como em seus fenômenos superficiais, o futuro não possa repetir-se identicamente e imitar o passado. (...) Certamente, a única possibilidade que se pode reivindicar racionalmente é a possibilidade de que as coisas possam ser melhores.” (JAMES, W. Pragmatismo, p. 75-77).
[17] SARTRE, J. P. O existencialismo é um humanismo, p. 22.
[18] SARTRE, J. P. O existencialismo é um humanismo, p. 13.
[19] CAMUS, A. O mito de Sísifo, p. 19.
[20] RORTY, R.; ENGEL, P. Para que serve a verdade?, p. 61-62.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

ASTREINTES & NOVO CPC (ou COMO OS DEPUTADOS PODEM PIORAR O NOVO CPC)


Quem preferir ver/ouvir - ao invés de ler - pode acessar à palestra que proferi sobre o tema. Clique na imagem acima.

Astreintes, como se sabe, é o termo francês para designar a nossa multa coercitiva, prevista no art. 461, §4º, do Código de Processo Civil em vigor, que serve para compelir alguém a fazer ou deixar de fazer alguma coisa.
A discussão que trago neste novo post é sobre a destinação do valor eventualmente arrecadado com a aplicação dessa multa.
Já tratei desse tema, muito rapidamente, no post sobre as "objeções pragmáticas ao novo CPC". Agora retorno ao tema com mais intensidade.
Em termos pragmáticos, essa discussão é relevantíssima, pois diz respeito à efetivação das ordens judiciais e à própria autoridade da jurisdição.

Segundo a corrente majoritária da doutrina e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o valor dessa multa deve reverter em prol do AUTOR ou do beneficiário da ordem judicial.

PRAGMATICAMENTE, ESSA SOLUÇÃO É DESASTROSA PARA A PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.

Comecemos com um exemplo prático.  
Imagine-se a propositura de uma ação revisional de contrato bancário, através da qual o autor pretende discutir o seu saldo devedor, orçado em R$ 5.000,00; em sede de antecipação de tutela, o autor postula a retirada de seu nome dos cadastros restritivos de crédito, no prazo de dez dias. O juiz da causa, entendendo presentes a verossimilhança das alegações e o fundado receio de dano de difícil reparação, defere a liminar antecipatória, conforme requerida, impondo ao réu, como astreinte, uma multa diária de R$ 50.000,00, considerando, dentre outros fatores, a sua dimensão econômica. Por negligência sua, o réu cumpre a ordem judicial com vinte dias de atraso. 
O autor, reclamando para si o produto da multa aplicada, requer a execução de R$ 1.000.000,00.
A simples possibilidade de uma execução, nesses termos, já é capaz de demonstrar que existe algo errado nessa solução.
Não se questiona o acerto do juiz na fixação da multa. Tratando-se de uma instituição financeira, como na hipótese, não é despropositada a atribuição de um valor elevado a título de multa diária, uma vez que haverá de estabelecer-se montante tal que concretamente influa no comportamento do demandado, sem limitar-se ao valor da obrigação, nem ao dos danos eventualmente derivados da violação da ordem.
Também não se questiona que o sujeito passivo da sanção deverá arcar com o pagamento do montante total, eis que se trata de consequência jurídica da sua própria conduta desobediente.
Desejando livrar-se da multa, que cumpra a ordem!

Não se pode tolerar, em país sério, o atraso sequer de um dia no cumprimento de ordem judicial

Não se deve admitir a possibilidade generalizada de redução retroativa do valor da multa que já incidiu, pois a simples perspectiva para o réu de que poderá haver um “abatimento” no valor da multa, que já deveria ter sido paga, representa perigoso enfraquecimento do mecanismo coercitivo.

É incontestável que a atribuição do crédito da multa ao autor, além das perdas e danos a que fará jus, representa enriquecimento sem causa.

É preciso deixar claro que todos os danos experimentados pelo autor em decorrência do descumprimento da ordem judicial serão avaliados na respectiva ação de perdas e danos. A multa coercitiva não se destina a reparar esse dano. Se assim é, o recebimento da multa, pelo autor, não exibe título jurídico, ensejando enriquecimento injusto e ilegítimo.
 Além de ensejar o enriquecimento sem causa do autor, o que, por si só, já é suficiente para reprovar a solução hegemônica de destinação da multa (destinar o produto da multa para o autor), há uma consequência mais grave: o mecanismo coercitivo estará seriamente comprometido, enfraquecendo a própria jurisdição estatal.

Por quê?

Como já se constatou na experiência estrangeira, especialmente em França, os juízes, sabedores da cumulação das perdas e danos com o elevado valor da multa, gerando excessivo e desproporcional ganho ao autor, acabam, na práticapor fixar o valor da multa coercitiva em valores muito abaixo do esperado para coagir ou, ainda, terminam por revisar o valor final da multa imposta, de forma a adequá-la ao valor da pretensão do autor. Nesse último caso, o réu tende a menosprezar o rigor da imposição pecuniária, sabendo que, ao final, irá pagar muito menos.

Não se pode simplesmente ignorar esse fato da realidade!! 

Tomando por base a jurisprudência federal, é possível encontrar inúmeros acórdãos fixando ou revendo a multa diária imposta à Fazenda Pública (normalmente o INSS), em valores irrisórios, em muitos casos no patamar de R$ 25,00 (vinte e cinco reais) por dia de atraso. A multa, fixada nesse limite, contra uma entidade pública federal, torna-se praticamente simbólica, destituída de força coercitiva. Ainda que venha a ser aplicada diretamente ao agente público responsável pelo descumprimento da ordem, o valor é baixo para fins coercitivos, no sentido de garantir o cumprimento da ordem no prazo estipulado. Relembre-se que a multa, enquanto coerção, não foi feita para ser cobrada; se for necessário cobrá-la, é porque falhou.

A atribuição da multa ao autor é motivo para enfraquecimento da eficiência do mecanismo coercitivo, pois os juízes brasileiros, tais como os juízes franceses, acabam, na prática, por fixar a multa em valor diminuto (ou posteriormente reduzir o valor final), sem que ela se preste a intimidar o réu, com isso visando a evitar o enriquecimento desproporcional do autor.
Não é possível mais adotar uma posição de conformismo, admitindo ad perpetuam essa antinomia evidente e maléfica ao sistema de jurisdição nacional. Não será de todo inverossímil afirmar, e esperar, que a permanecer essa posição doutrinária e jurisprudencial (a multa para o autor), sejam criados escritórios especializados na cobrança de multas coercitivas e a instalação de uma verdadeira “indústria de astreintes”, estimulando a corrupção e as chicanas para a caracterização do descumprimento de decisões judiciais. Ou o mais absurdo, tenha-se, na realidade do nosso sistema processual, demandantes rezando aos céus pelo descumprimento de uma ordem judicial, o que poderá levá-lo a uma repentina riqueza!

(Mesmo para fins práticos, a teoria geralmente acaba com a coisa mais importante no final)

Acrescente-se a esses argumentos o fato de que as posições doutrinárias que limitam a exigibilidade da multa (e enfraquecem seu poder), impedindo sua cobrança imediata ou sua manutenção no caso de decisão final desfavorável, ou que autorizam a revisão final do valor, têm em consideração a destinação dos valores ao autor e o princípio de evitar o enriquecimento sem causa.
O que se percebe, enfim, é que a destinação ao autor do produto da multa hoje prevista no artigo 461, § 4º, do CPC não só é inadequada, pelo enriquecimento sem causa que proporciona, como prejudicial ao sistema jurisdicional, pois macula o mecanismo coercitivo, fragilizando a autoridade estatal e desacreditando as decisões judiciais.

E O NOVO CPC?

A Comissão Fux, responsável pelo anteprojeto do novo CPC, sensibilizou-se com o problema, propondo uma divisão mais adequada do produto da multa:

Art. 503. 
§ 5º O valor da multa será devido ao autor até o montante equivalente ao valor da obrigação, destinando-se o excedente à unidade da Federação onde se situa o juízo no qual tramita o processo ou à União, sendo inscrito como dívida ativa.
§ 6º Sendo o valor da obrigação inestimável, deverá o juiz estabelecer o montante que será devido ao autor, incidindo a regra do § 5º no que diz respeito à parte excedente.
§ 7º O disposto no § 5º é inaplicável quando o devedor for a Fazenda Pública, hipótese em que a multa será integralmente devida ao credor.

A solução foi pragmática. Satisfez o intuito "indenizatório", destinando parte da multa para o autor (até o limite do seu direito no processo), e deixou os juízes e tribunais tranquilos para fixar multas altas suficientes para coagir, pois o excedente passaria a ser destinado ao Estado. O único problema não resolvido foi em relação à Fazenda Pública devedora (§7º), o que nos obrigou a redigir uma nota técnica a respeito, enquanto membro da Comissão de Reformas Processuais da Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), a qual foi acolhida no Substitutivo do Senado Federal, passando o tema a ser assim disciplinado:

Art. 551.
§ 5º O valor da multa será devido ao exequente até o montante equivalente ao valor da obrigação, destinando-se o excedente à unidade da Federação onde se situa o juízo no qual tramita o processo ou à União, sendo inscrito como dívida ativa.
§ 6º Sendo o valor da obrigação inestimável, deverá o juiz estabelecer o montante que será devido ao autor, incidindo a regra do § 5º no que diz respeito à parte excedente.
§ 7º Quando o executado for a Fazenda Pública, a parcela excedente ao valor da obrigação principal a que se refere o § 5º, será destinada a entidade pública ou privada, com finalidade social.

Estaria resolvida a situação da destinação da multa coercitiva, com as astreintes fortalecidas para garantir maior autoridade às decisões judiciais.

Mas todo esse avanço foi lançado por terra quando o projeto chegou à Câmara dos Deputados, que resolveu ignorar completamente a experiência e a realidade, abolindo as melhorias alcançadas no Senado, e destinando completamente ao autor o produto da multa (cf. art. 551, § 2º), mantendo as coisas no mesmo estado em que estão hoje!!! 

Que o Pragmatismo ilumine os nossos Senadores para que restabeleçam o texto original sobre o tema, por eles mesmos aprovado em 2010.


Para maiores informações, inclusive referência bibliográficas, acessem o inteiro da minha dissertação de mestrado em direito, aprovada na Universidade Federal do Paraná (2009), sobre o tema deste  post
Eis o link:




sábado, 20 de setembro de 2014

O QUE É UM JUIZ PRAGMÁTICO?

Sistema processual brasileiro?

Primeiramente, é necessário dizer o que não é um juiz pragmático.
NÃO!!! Resolutamente não é o juiz que resolve tudo na prática, sem cuidado algum. Também não se trata de um juiz que quer, a todo curso, livrar-se de processos, diminuir estatísticas, cumprir metas, ainda que comprometendo a qualidade da prestação jurisdicional oferecida. A "jurisprudência defensiva" não é pragmática.

O Juiz pragmático é aquele que segue o método pragmático para a produção de soluções processuais. 

O Juiz pragmático tem características que o destacam:

1. A compreensão de sua meta fundamental: Ele compreende que a sua missão é prestar um serviço público de qualidade: a prestação jurisdicional. Não qualquer resposta. A prestação jurisdicional deve ser, ao mesmo tempo, adequada, efetiva e tempestiva, conforme as promessas contidas na Constituição. Nem só efetividade, nem só segurança. Equilibra-se nessa tensão fundamental do sistema processual.

2. Consequencialismo e responsabilidade pessoal: O Juiz pragmático mede as consequências práticas das suas decisões, seja em relação às partes do processo, seja em relação ao sistema processual como um todo. Como parcela do poder político, assume a responsabilidade por essas consequências, não imputando a mais ninguém (ao legislador, por exemplo), os desastres ou injustiças decorrentes daquilo que decide.

3. Não-comodismo e criatividade: Se o sistema processual não oferece soluções adequadas para problemas práticos da jurisdição cotidiana, o Juiz pragmático não se acomoda e busca opções criativas para a resolução desses problemas. Busca a criatividade do gestor público. Raciocina interdisciplinarmente. Consegue usar a imaginação para inovar.

4. Antirracionalismo: Se o sistema processual apresenta soluções defasadas e inadequadas, que não funcionam na prática ou prejudicam a prestação jurisdicional de qualidade, o Juiz pragmático não se constrange em afastar essas soluções, substituindo-as por outras, que atendam melhor as exigências da realidade atual.

5. Contextualismo: Jamais decide segundo conceitos, princípios ou regras abstratas sem cotejá-las com as peculiaridades do caso concreto, distinguindo o que é realmente aplicável e avaliando as consequências práticas da aplicação proposta.

6. Cooperação: O Juiz pragmático é cooperativo, não por princípio, mas porque sabe que o diálogo e a colaboração processual são os melhores caminhos para produzir soluções pragmáticas, que atendam, com economia e eficiência, os propósitos da prestação jurisdicional. O Juiz pragmático prestigia a oralidade processual. A imediação é a regra. Ouve as partes, os advogados. Conversa com a sua equipe. Abre-se às opiniões externas. Faz audiências públicas, ainda que não previstas em lei. Radicaliza as inspeções judiciais. A audiência preliminar participa do seu cotidiano de trabalho. O Juiz pragmático é democrático!

7. Empirismo responsável: No ambiente de cooperação processual, o Juiz pragmático testa as soluções processuais propostas. Só a experiência pode confirmar a adequação de uma solução. Se essa solução não funciona ou prejudica será cessada e substituída. Não será repetida. Mas se der certo, se valeu a pena, será repetida e divulgada para inspirar novas decisões e a modificações do sistema processual na esfera legislativa. Quantas leis não representam apenas a positivação de soluções de sucesso criadas pela jurisprudência?

O Pragmatismo Jurídico começa a ser pensado no Brasil.


quarta-feira, 3 de setembro de 2014

MENOS PROCESSOS INDIVIDUAIS, MAIS PROCESSOS COLETIVOS

Como é possível esperar uma jurisdição de qualidade com um número tão exorbitante de processos?

ACESSE O INTEIRO TEOR DO PROJETO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS PARA INSTITUIR UMA NOVA LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA (PL 4484/2012):


Tenho insistido que não é possível esperar uma prestação jurisdicional de qualidade com um número tão elevado de processos. 
Para possibilitar uma comparação, confira os dados do IBGE sobre o tamanho da população brasileira:


São mais de 200.000.000 de habitantes.
Segundo os dados do CNJ 2013, tínhamos mais de 92.000.000 de processos. Estamos em 2014. Com certeza já passamos a marca de 100.000.000 de processos, distribuídos em todos os ramos do Poder Judiciário.

Assim sendo, temos aproximadamente 1 PROCESSO para cada 2 HABITANTES!!!!!!!

É hora de pararmos para pensar, seriamente, nas propostas pragmáticas para REDUZIR PROCESSOS, SEM REDUZIR A PROTEÇÃO A DIREITOS.

Uma das propostas nesse sentido é a ampliação e a modernização do processo coletivo. 

O processo coletivo contém esta promessa pragmática: diminuir processos, sem diminuir a qualidade da jurisdição. Se pela via da ação coletiva o indivíduo pode obter, com menor custo pessoal e menor onerosidade para os serviços judiciários, o mesmo direito material que obteria numa ação individual, qual é o sentido prático, e mesmo garantista, em se apostar na autonomia da vontade para a propositura de ações individuais? O que se garante com isso? Se o processo é instrumento a serviço do direito material, não é possível concebê-lo como instrumento a serviço de si mesmo. Se o direito material pode ser bem servido pelo processo coletivo (com os aperfeiçoamentos pragmáticos), não há razão (a não ser racionalismo) para insistir numa liberdade individualista, vazia de consequências úteis. É a “sedução do individualismo” referida por OWEN FISS.

O PL 4484/2012 caminha no sentido de racionalizar o processo judicial brasileiro através das ações coletivas, inclusive adotando soluções pragmáticas para o cumprimento de sentenças coletivas (como, por exemplo, o cumprimento "administrativo" da sentença, sem a necessidade de execuções individuais). A ideia é resolver milhares de litígios através de uma só ação (inclusive na execução). É a conhecida "molecularização" das demandas, tão bem referida por KAZUO WATANABE. Certamente que milhares dessas ações que superlotam o Judiciário nacional poderiam ter sido resolvidas através de uma única ação coletiva.

Mas o PL 4484/2012 é uma repetição do anterior PL 5139/2009, o qual foi sumariamente rejeitado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, por "falta de discussão com a sociedade".

O que foi o PL 5139/2009?

Por iniciativa do Ministério da Justiça, foi formada uma Comissão de Juristas para produzir um texto que expressasse a adequada atualização da Lei da Ação Civil Pública. Essa Comissão de Juristas (Portaria 2.481/2008-MJ) foi presidida pelo então Secretário da Reforma do Poder Judiciário e atual Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Rogério Favretto, e composta por processualistas de escol, com trabalhos relevantes na área do direito processual coletivo (Ada Pellegrini Grinover; Aluisio Gonçalves de Castro Mendes; André da Silva Ordacy; Antonio Augusto de Aras; Antonio Carlos Oliveira Gidi; Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida; Elton Venturi; Fernando da Fonseca Gajardoni; Gregório Assagra de Almeida; Haman de Moraes e Córdova; João Ricardo dos Santos Costa; José Adonis Callou de Araújo Sá; José Augusto Garcia de Souza; Luiz Manoel Gomes Junior (relator); Luiz Philippe Vieira de Mello Filho; Ricardo Pippi Schmidt; Rogerio Favreto (Presidente) e Sergio Cruz Arenhart).

A Comissão de Juristas tomou o cuidado de garantir que o anteprojeto apresentado fosse produto de ampla discussão democrática com todos os setores envolvidos, realizando inúmeras audiências públicas pelo Brasil afora, o que torna incompreensível a rejeição sumária do projeto na Câmara. Eu mesmo participei de uma das audiência públicas realizadas em Curitiba, no salão nobre da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

O PL 4484/2009, de autoria do Deputado Federal Antônio Roberto (PV-MG), praticamente repete aos mesmos termos do PL 5139/2009. Não inova substancialmente, trazendo os mesmos institutos elaborados pelo anteprojeto da Comissão de Juristas instituída e apoiada pelo Ministério da Justiça, após amplo debate com a comunidade jurídica nacional. Procede, apenas, a algumas correções que, de fato, melhoraram ainda mais o projeto anterior.

Dep. Antônio Roberto (PV-MG)
Quem tem qualquer compromisso com a efetividade e racionalidade do sistema processual deve apoiar esse projeto. E deve ir além, cobrando dos deputados federais a sua imediata aprovação, sem cortes que comprometam as soluções pragmáticas por ele esboçadas.

Uma das obras mais importantes e modernas sobre o processo coletivo, de autoria do Prof. Dr. Sérgio Cruz Arenhart, um dos membros da Comissão de Juristas que elaborou o anteprojeto para a nova Lei da Ação Civil Pública

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

OBJEÇÕES PRAGMÁTICAS AO NOVO CPC


ACESSE O INTEIRO TEOR DO SUBSTITUTIVO DE NOVO CPC APROVADO NA CÂMARA:

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1246935&filename=Tramitacao-PL+8046/2010

O projeto de "novo CPC" não contém muito coisa realmente nova.

Aliás, desde o anteprojeto da Comissão Fux não havia qualquer comprometimento com rupturas estruturais no sistema processual. O que a nova codificação fará, propriamente, será dar um tratamento mais organizado e sistemático à "colcha de retalhos" em que se transformou o Código Buzaid (1973), após sucessivas reformas legislativas pontuais. Do ponto de vista pragmático, esse objetivo não é suficiente para justificar um novo Código. 

Quem se dispuser a ler o texto aprovado na Câmara dos Deputados (2014) - e agora em discussão no Senado - vai se surpreender com a maciça repetição de artigos já existentes no CPC em vigor. A certa altura, lendo o Livro II, que trata do Processo de Execução, parece que estamos a ler o código atualmente em vigor. Pouca coisa muda. No processo de conhecimento, acaba o rito sumário (e com ele a oralidade processual), dando espaço à hegemonia do rito comum, que nada mais é que o nosso tradicional rito ordinário, com as mesmíssimas fases. A simplificação processual prometida é pouco significativa: continua a reconvenção, a incompetência relativa poderá ser arguida na contestação, acaba o agravo retido, mas o agravo de instrumento se transforma num recurso em sentido estrito (como no processo penal), acaba o recurso de embargos infringentes, mas, em contrapartida, em caso de julgamento por maioria, a sessão deverá continuar com a presença de outros julgadores. A apelação continua com efeito suspensivo automático. O rito ordinário, como disse, continua sendo o mesmo.

Mais do que isso, o projeto não se baseia em qualquer tipo de diagnóstico do sistema processual, nem foi buscar lastro em pesquisas empíricas. Ignora essa importantíssima diretriz pragmática. Utiliza, portanto, apenas os expedientes da razão e, talvez, alguma intuição profissional dos juristas por trás dos parlamentares. Só lógica e coerência interna não são suficientes para boas soluções processuais.



Pior é o desrespeito ao momento de transição por que passa o Poder Judiciário. Uma codificação feita para durar "50 anos", que se baseia, quase que completamente, nos autos de papel, físicos, destinados à extinção em alguns anos!! Continuam o agravo de instrumento, a autuação, a restauração de autos, a carga de processos etc. Um novo CPC que não é pensado para o processo eletrônico pode atrapalhar o processo eletrônico. Não será de surpreender que, em poucos anos, voltem a ocorrer ondas de reformas do "novo" CPC... 

Mas existem retrocessos. Sérios e graves.
Cito três dos mais expressivos:

1º) Proibição de utilização do sistema BACENJUD para efetivação da tutela antecipada; restrição do BACENJUD nas execuções provisórias.

Art. 298. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para a efetivação da tutela antecipada.
Parágrafo único. A efetivação da tutela antecipada observará as normas referentes ao cumprimento provisório da sentença, no que couber, vedados o bloqueio e a penhora de dinheiro, de aplicação financeira ou de outros ativos financeiros. (grifei)

Isso só pode ser piada de mau gosto. Esse parágrafo surgiu agora, na última redação do texto da Câmara, em 2014. Nem é preciso ser pragmatista para objetar essa restrição. Defere a tutela antecipada, mas não pode efetivá-la. Há completa dissintonia do parágrafo com o caput e com o poder geral de efetivação das decisões judiciais, previsto no art. 139, IV do projeto.

Art. 870, §9º. No cumprimento provisório da sentença, somente se admite a penhora de recursos financeiros nos termos deste artigo se já houver, na fase de conhecimento, decisão de tribunal de justiça ou tribunal regional federal.

Também não se consegue conceber a razão dessa restrição, sabendo-se que a penhora de dinheiro é prioritária (art. 851, §1º). Vai ver o deputado que "redigiu" o parágrafo acha esse tal de BACENJUD eficiente demais...

2º) A existência de título executivo extrajudicial de obrigação líquida, certa e exigível não inibe ação de conhecimento

Art. 801. A existência de título executivo extrajudicial não impede a parte de optar pelo processo de conhecimento, a fim de obter título executivo judicial.

Parece que o legislador desconhece completamente as estatísticas acerca do número de processos de assolam o Poder Judiciário. Vejam o meu post sobre o Justiça em Números do CNJ: hoje, certamente, já contamos com mais de 100.000.000 de processos. Mesmo assim, quem já desfruta de título executivo extrajudicial poderá acionar o Judiciário através de ação de conhecimento!!!! E a falta de interesse processual? Deixou de existir? É solução antipragmática que fragiliza a técnica dos títulos executivos extrajudiciais como meio mais fácil e direto para a resolução de litígios.

3º) O valor obtido com as astreintes (multa coercitiva destinada a fazer cumprir ordens judiciais) é destinado exclusivamente ao autor 

É fato por todos sabido que os tribunais têm sido fixado as astreintes em valores insuficientes, quando não irrisórios, pelo medo de enriquecer desproporcionalmente o autor. Essa situação se deve ao entendimento equivocado sobre o destinatário do produto da multa - o autor - muito embora o atual art. 461, §4º nada fale a respeito. 
A Comissão Fux sensibilizou-se com o problema, propondo uma divisão mais adequada do produto da multa:

Art. 503. 
§ 5º O valor da multa será devido ao autor até o montante equivalente ao valor da obrigação, destinando-se o excedente à unidade da Federação onde se situa o juízo no qual tramita o processo ou à União, sendo inscrito como dívida ativa.
§ 6º Sendo o valor da obrigação inestimável, deverá o juiz estabelecer o montante que será devido ao autor, incidindo a regra do § 5º no que diz respeito à parte excedente.
§ 7º O disposto no § 5º é inaplicável quando o devedor for a Fazenda Pública, hipótese em que a multa será integralmente devida ao credor.

A solução foi pragmática. Satisfez o intuito "indenizatório", destinando parte da multa para o autor (até o limite do seu direito no processo), e deixou os juízes e tribunais tranquilos para fixar multas altas suficientes para coagir, pois o excedente passaria a ser destinado ao Estado. O único problema não resolvido foi em relação à Fazenda Pública devedora (§7º), o que nos obrigou a redigir uma nota técnica a respeito, enquanto membro da Comissão de Reformas Processuais da Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), a qual foi acolhida no Substitutivo do Senado Federal, passando o tema a ser assim disciplinado:

Art. 551.
§ 5º O valor da multa será devido ao exequente até o montante equivalente ao valor da obrigação, destinando-se o excedente à unidade da Federação onde se situa o juízo no qual tramita o processo ou à União, sendo inscrito como dívida ativa.
§ 6º Sendo o valor da obrigação inestimável, deverá o juiz estabelecer o montante que será devido ao autor, incidindo a regra do § 5º no que diz respeito à parte excedente.
§ 7º Quando o executado for a Fazenda Pública, a parcela excedente ao valor da obrigação principal a que se refere o § 5º, será destinada a entidade pública ou privada, com finalidade social.

Pronto!! Resolvida a situação da destinação da multa coercitiva!! Astreintes fortalecidas para garantir maior autoridade às decisões judiciais...
...até chegar à Câmara dos Deputados...
que resolveu ignorar completamente a experiência e realidade, abolindo os avanços conseguidos no Senado, e destinando completamente ao autor o produto da multa (cf. art. 551, § 2º), mantendo as coisas no mesmo estado em que estão hoje!!! PARA QUE UM CPC NOVO?

Outras objeções pragmáticas ainda podem ser formuladas, como a contagem de prazos apenas em dias úteis (art. 219) e a inconstitucional suspensão dos prazos processuais, audiências e julgados no período de 20 de dezembro a 20 de janeiro (art. 220), como atendimentos a exigências corporativas que pouco caso fazem dos direitos fundamentais à duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, CF) e à tutela jurisdicional efetiva (art. 5º, XXXV, CF). 

São os riscos de um novo Código. Vale a pena?


CORNELIS DE WAAL. Sobre Pragmatismo. Edições Loyola.
Excelente panorama histórico do pensamento pragmatista

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

QUEM TEM MEDO DO PRAGMATISMO?

Os pragmatistas americanos clássicos: Charles Pierce e William James (em cima);
John Dewey e George Mead (embaixo)

O atual paradigma do direito processual civil está esgotado. O racionalismo não consegue mais dar conta dos problemas envolvendo o sistema processual e o Poder Judiciário. E as metodologias processuais até agora formuladas - o processualismo, o instrumentalismo e o neoprocessualismo - não conseguem se desgarrar das soluções exclusivamente calcadas no pensamento racionalista. Não ouvem a experiência. Propõem soluções sem qualquer respaldo em dados empíricos sobre a realidade. Não testam soluções, nem se preocupam com as consequências práticas do que é proposto. O acerto se dá quase sempre pelo acaso; o erro é corrigido por novas leis e novos códigos. E assim caminha a humanidade...ao menos no Brasil, com seus mais de 92.000.000 de processos.
Como transitar para um novo paradigma? Um paradigma que respeite a experiência e se preocupe com o funcionamento efetivo do prestação jurisdicional; um paradigma no qual as soluções não sejam engessadas por conceitos e consigam, assim, atingir aos escopos processuais.
O pragmatismo jurídico se apresenta como método para propiciar esse avanço rumo a um novo paradigma para o processo civil:


Paradigma racionalista
(processualismo/instrumentalismo/neoprocessualismo)
PRAGMATISMO JURÍDICO

Paradigma empirista
(método processual pragmático)


O método processual pragmático é um novo método para o direito processual civil baseado no pragmatismo, construção filosófica original, produzida nos Estados Unidos, a partir do final do século XIX.
Ele funciona através da aplicação de quatro diretrizes, as quais refletem as principais características do pragmatismo filosófico.
As diretrizes do método processual pragmático proposto são as seguintes:

1º) DIRETRIZ ANTIFUNDACIONISTA: Despreze as diferenciações entre categorias ou conceitos processuais que não revelem implicações práticas;

2º) DIRETRIZ ANTIRRACIONALISTA: Não descarte uma solução processual apenas porque ela não corresponde a um conceito, sistema, regra ou princípio do direito processual;

3º) DIRETRIZ CONSEQUENCIALISTA: Entre duas ou mais soluções processuais, adote aquela que apresente as melhores consequências práticas em termos de prestação jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva;


4º) DIRETRIZ EMPIRISTA: Avalie as consequências práticas de uma solução processual de acordo com a experiência.

A minha sincera expectativa é que o leitor do meu blog sinta-se, de alguma forma, incomodado com as diretrizes do método processual pragmático. Algo como o que as plateias das conferências de William James devem ter sentido lá no início do século XX. Se não houver incômodo ou perplexidade, o pragmatismo não estará funcionando na transição paradigmática contra o racionalismo. Quebrando paradigmas...

"O pragmatismo volta as costas resolutamente e de uma vez por todas a uma série de hábitos inveterados, caros aos filósofos profissionais. Afasta-se da abstração e da insuficiência, das soluções verbais, das más razões a priori, dos princípios firmados, dos sistemas fechados, com pretensões ao absoluto e às origens. Volta-se para o concreto e o adequado, para os fatos, a ação e o poder. O que significa o reinado do temperamento empírico e o descrédito sem rebuços do temperamento racionalista. O que significa ar livre e possibilidades da natureza, em contraposição ao dogma, à artificialidade e à pretensão de finalidade na verdade." (William James)